QUANDO POLÍCIA MATA POLÍCIAS…

O ministro do Interior de Angola, Eugénio Laborinho, pediu hoje uma “profunda averiguação” às causas do duplo homicídio seguido de suicídio que envolveu três polícias e anunciou a criação de uma comissão para prestar apoio às famílias enlutadas.

Segundo uma publicação partilhada na página do Facebook do Ministério do Interior, Eugénio Laborinho convocou hoje as mais altas chefias policiais de Angola para fazer um balanço da passagem do ano e analisar o incidente para evitar a repetição destas situações.

No dia 1 de Janeiro, por volta das 06:00, um polícia matou dois colegas e suicidou-se, devido ao suposto desaparecimento de uma pistola.

Na reunião, Eugénio Laborinho chamou a atenção dos responsáveis das unidades policiais para os cuidados a ter no processo de selecção e recrutamento, que deve ser “apurado e rigoroso”, devendo os candidatos ser sujeitos a testes psicológicos, procedimento que deve ser “permanente, especialmente, nas unidades onde estiverem a exercer as suas funções”.

O ministro deu também orientações à Inspecção Geral do MININT e ao Serviço de Investigação Criminal para que realizem “uma profunda averiguação e investigação sobre as causas desta ocorrência, no sentido de se aferir se existem outros culpados, ainda que seja a título de negligência ou omissão”.

Anunciou igualmente a criação de uma comissão para prestar o apoio necessário às famílias enlutadas, incluindo as exéquias fúnebres e a prestação da pensão pós-morte.

Eugénio Laborinho abordou ainda a necessidade de implementar um “policiamento que se adeqúe ao período pré e pós-eleitoral, em respeito ao que estiver previsto na lei, em especial o respeito pelos direitos fundamentais e dignidade da pessoa humana”, instruindo as hierarquias a começarem o processo de formação do efectivo de forma a garantir “um ambiente seguro em todas as fases do processo eleitoral, dos seus candidatos, das campanhas partidárias, assim como dos observadores”.

Outro dos apelos foi dirigido ao reforço das acções de proximidade para ajudar “a resolver alguns fenómenos preocupantes, tais como a vandalização de bens públicos, a identificação de cidadãos que possuem armas de fogo, a detenção de potenciais criminosos que cometem crimes violentos, assim como assegurar e recuperar o sentimento de segurança da população”.

Eugénio Laborinho adiantou que, nos próximos dias, vai dar continuidade ao projecto de entrega de meios operacionais “para fazer face à situação de criminalidade e garantia da ordem e tranquilidades públicas”.

Recorde-se que no dia 15 de Dezembro de 2020, o ministro Eugénio Laborinho afirmou, em Luanda, que nos últimos dois anos, o país registou incidentes “táctico-policiais” que “lamentavelmente”, alguns terminaram em mortes de cidadãos e polícias.

Eugénio Laborinho, que discursava na abertura da Conferência Científica sobre o perfil do agente e o uso da força policial, promovido pelo Instituto Superior de Ciências Policiais e Criminais, não avançou números. Nem era preciso. A dialéctica do ministro saciou qualquer dúvida.

O governante angolano frisou que esta constatação obriga a uma reflexão sobre o tipo de formação que está, e continua a estar, a ser implementada, sobretudo nos últimos cursos de ingresso realizados, considerando a relevância da temática de técnicas de manuseamento de armas de fogo e outros meios coercivos, pelos danos que podem causar.

Para Eugénio Laborinho, estas áreas desempenham “um papel inquestionável na determinação do perfil do agente da polícia que Angola e os seus filhos muito precisam”.

O titular da pasta do Interior disse esperar que as conclusões da conferência atendam às exigências actuais e que sejam aplicadas nos próximos enquadramentos na corporação, com vista a corrigir alguns perfis menos bons e, como diria o (actual) guru do MPLA, João Lourenço, melhorar aqueles que estão bem.

Segundo o ministro, de forma oportuna se realiza o certame para reflectir o perfil do polícia, visto que uma instituição como a Polícia Nacional não pode recrutar cidadãos sem um processo de selecção criterioso (que, recorde-se, não se aplica a ministros), que envolva a observância do grau académico, porte físico, estado psicológico e psíquico, antecedentes comportamentais e criminais, capacidade de reflexão, bem como os vários testes para aferir o interesse em ingressar na corporação e hábitos alimentares sem excessos de rebuçados e chocolates.

“Não se deve pensar que a Polícia serve somente para garantir emprego, para quem não tem outras opções na sociedade” (para isso podem ingressar nas missões dirigentes do MPLA), referiu Eugénio Laborinho, salientando que devem entrar aqueles que, além de terem perfil adequado, “tenham paixão pela profissão, porque ela exige entrega, abnegação, patriotismo e disciplina”, exactamente o oposto do que acontece com os dirigentes do partido que nos governa há 46 anos.

Os polícias devem estar imbuídos do espírito de servir o país e respeitar a lei, prosseguiu o ministro, sublinhando que não é para “tirar proveito da sua qualidade para praticar actos ilícitos, com o fim de resolverem os seus problemas sociais”. Verdade. Aprendam a servir o Povo já que para se servirem do Povo temos os ministros e similares.

O ministro elogiou o trabalho dos efectivos da Polícia Nacional que, “por vezes, não é devidamente reconhecido por alguns actos indecorosos cometidos por uma minoria, que mancha o bom nome da corporação”.

Nesse sentido, Eugénio Laborinho apelou ao reforço das medidas inspectivas e de controlo, para responsabilização dos infractores, sendo que essas medidas devem terminar à porta dos gabinetes ministeriais, desde logo porque os titulares são figuras divinas, incólumes e impolutas…

O charme táctico-policial do ministro

O ministro Eugénio Laborinho afirmou, em Novembro de 2020, que os cidadãos não devem olhar para os órgãos de polícia “como seu inimigo”, mas salientou também que “não há direitos absolutos” e que estes estão nivelados. É brilhante a pedagogia do ministro. Por alguma razão, com 18 anos, em 1973, já tinha o curso de professores de Posto…

“Importa referir que nenhum direito é absoluto, pelo que, sempre que quisermos exercer alguma acção contemplada na lei, como sendo um direito fundamental, precisamos de estabelecer o grau de empatia e fazer o exercício de nos colocar no lugar daqueles que vão ressentir o efeito da sua acção, visto que os direitos fundamentais estão nivelados”, destacou, no seu discurso de encerramento do Conselho Consultivo Alargado.

Para Eugénio Laborinho, “é fundamental que os cidadãos não olhem para os órgãos de Polícia como seu inimigo”, mas compreendam a essência do seu trabalho que pressupõe “defender quem tem razão, estando sempre do lado da Lei, responsabilizando quem a viole” com vista ao cumprimento da legalidade.

Eugénio Laborinho reconheceu que existem “falhas” e desculpou-se por “eventuais irregularidades ou excessos de zelo”, prometendo que serão corrigidos.

Clarificou ainda que os órgãos de polícia “existem para garantir a ordem e a legalidade democrática, independentemente da filiação partidária, religião, raça, nacionalidade do cidadão”, e servem os interesses de todas as instituições e de todos os cidadãos.

Recorde-se que a actuação da polícia durante as várias fases de cumprimento das medidas de prevenção e combate à pandemia da Covid-19 tem sido, desde há muito, criticada pela sociedade civil devido ao uso excessivo de força, tendo em conta os vários incidentes envolvendo polícias e cidadãos, que resultaram em várias mortes que, naturalmente, não são imputáveis às forças militares e policias porque, como se sabe, há cidadãos que teimam em voar em direcção às balas disparadas para o ar.

Em Junho de 2020, Eugénio Laborinho sublinhou que os efectivos do Ministério do Interior “desde sempre, consentiram muitos sacrifícios em prol do superior interesse da nação e da satisfação das necessidades colectivas”.

“Sacrifícios que levaram muito dos nossos compatriotas de trincheira a perderem a vida no cumprimento da missão, pelo que, aproveitamos o momento para honrar os feitos alcançados por eles”, disse Eugénio Laborinho. “De trincheira”, não nos esqueçamos. Por alguma razão, na página oficial do Ministério do Interior na Internet esteve escrito que Eugénio César Laborinho “com o vasto currículo, no domínio de defesa e segurança, foi a aposta certa para assumir os desígnios do Ministério do Interior”.

Eugénio Laborinho, relembre-se, não se inibiu de garantir que a polícia iria reagir de forma adequada ao comportamento dos cidadãos, mas não ia “distribuir chocolates e rebuçados” perante os actos de desobediência ao estado de emergência.

“A Polícia Nacional, deve continuar a garantir a manutenção da ordem e da segurança pública através da melhoria e da ampliação da rede policial em todo o território nacional, aperfeiçoar e alargar o policiamento de proximidade, estreitando-se a relação de confiança com os cidadãos, devolvendo assim, o sentimento de segurança pública”, referiu na altura Eugénio Laborinho.

Folha 8 com Lusa

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